terça-feira, 3 de julho de 2012

Energia a partir da urina


Investigadores britânicos afirmam que células de combustível a funcionar a partir de urina podem gerar corrente elétrica e recuperar nutrientes essenciais diretamente de dejetos humanos e animais. O desenvolvimento desta tecnologia pode fazer com que o tratamento de águas residuais se torne mais fácil e barato, proporcionando uma fonte abundante de energia, gerada localmente.

A equipa proveniente do Laboratório de Robótica de Bristol desenvolveu células microbianas de combustível, que utilizam bactérias para cindir moléculas orgânicas e gerar eletricidade – processo químico que pode ser executado com as moléculas orgânicas encontradas na urina, tais como ácido úrico, creatinina e péptidos de pequena dimensão.

A investigação de bactérias apropriadas para cindir essas moléculas foi relativamente fácil – as estações de tratamento de águas residuais usam rotineiramente bactérias para o fazer. No entanto, o ponto crucial é que os atuais processos são altamente energéticos e a abordagem das células de combustível poderiam transformá-los em processos de produção de energia elétrica.


As bactérias formam um biofilme sobre a superfície do ânodo da célula de combustível e fazem passar eletrões para o elétrodo, à medida que metabolizam as moléculas de combustível na urina. A equipa descobriu que células menores possuem maior densidade energética. Uma só célula pode produzir uma corrente de 0,25 mA, durante 3 dias, a partir de 25 mL de urina, pelo que centenas ou milhares de células de combustível deste tipo poderiam metabolizar as grandes quantidades de urina disponíveis em habitações próprias, quintas ou casas de banho públicas.

Em comparação com as águas residuais, a inexistência de substâncias sólidas na urina – que poderia entupir as células de combustível – é, neste sistema, uma vantagem significativa. Contudo, existem questões que dificultam a implementação destas dinâmicas. Em primeiro lugar, a mudança social necessária para que as pessoas se sensibilizem a separar a sua urina e, em segundo, as despesas económicas envolvidas na implementação deste processo.

Algumas investigações têm estudado os processos de eletrólise da ureia a partir de células de combustível em águas residuais, formando hidrogénio ou peróxido de hidrogénio. Estes produtos, economicamente interessantes, ajudariam a equilibrar os custos do dispositivo. No entanto, as bactérias da célula de combustível não conseguem metabolizar ureia como combustível, de modo que poderia ser possível passar, inicialmente, a urina através de uma célula eletrolítica para gerar hidrogénio e, em seguida, através da célula de combustível para gerar eletricidade a partir de outros compostos orgânicos.

Além da produção de energia, a equipa afirma que as suas células poderiam ajudar a recuperar os nutrientes essenciais a partir dos resíduos da urina. A urina é particularmente problemática no tratamento de águas residuais, uma vez que não só contêm compostos orgânicos, mas também níveis elevados de azoto, fósforo e potássio.

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I Ieropoulos, J Greenman and C Melhuish, Phys. Chem. Chem. Phys., 2011, DOI: 10.1039/c1cp23213d

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O Ano Internacional da Química foi o Ano das Tabelas Periódicas!

Com este post pretendo dar conta de mais uma nota minha no Boletim QUÍMICA, pertencente à Sociedade Portuguesa de Química.

O texto segue abaixo, e pode ser consultado aqui:

No número 122 do Boletim, tive a belíssima oportunidade de dar conta de um nova Tabela Periódica ilustrada (Figura 1). [1] Esse trabalho foi promovido pela revista Chem 13 News, em parceria com alunos de diversas escolas e de diferentes países, estando Portugal representado convenientemente pela Escola Secundária Infante D. Henrique, no Porto. [2]

No entanto, o ano 2011 foi um ano de inspiração artística na área da Química. É com imenso gosto que comunico mais uma Tabela Periódica ilustrada! Desta feita, o projeto ficou a cargo do Royal Australian Chemical Institute, a voz da Química na Austrália, coordenado por Carolyn Canty e por Vicki Gardiner. A sua celebração do Ano Internacional da Química ficou marcada pela contribuição de 79 químicos e 38 ilustradores na criação de uma Tabela Periódica com bonitas ilustrações – Periodic Table on Show (Figura 2). A cada ilustrador foram atribuídos três elementos químicos escolhidos aleatoriamente e a parceria entre químicos e ilustradores faz-se sentir na qualidade das cento e doze obras que podem ser consultadas online. [3]

Os ilustradores envolvidos no projeto possuíam variados graus de experiência artística. Contribuíram neste projeto ilustradores profissionais, estudantes da Escola de Artes e outros profissionais que possuíam experiência e sensibilidade artística. Eles utilizaram diversas formas de se expressarem artisticamente, desde impressão em relevo a litografia, passando por técnicas mais contemporâneas como o desenho digital.Cada obra artística (ou cada elemento químico, como preferir) é acompanhada por um texto enquadrador em que são apresentados pormenores históricos da descoberta do elemento, as mais comuns aplicações do mesmo, bem como outros pormenores que vale a pena conhecer.

Será curioso até mesmo comparar a participação portuguesa no primeiro projeto (com o elemento químico európio) com o contributo australiano. É importante referir que, em ambos os projetos, cada elemento possui uma ficha de consulta com um pequeno texto onde figuram alguns pormenores científicos, muito embora o projeto com participação portuguesa possua, para cada elemento, dados úteis como a massa atómica, eletronegatividade, entre outros. Assim, comparando o trabalho resultante do projeto da revista Chem 13 News com o do Royal Australian Chemical Institute, fica a pergunta no ar: Qual foi a Tabela Periódica mais bonita do Ano Internacional da Química?

Em suma, o Ano Internacional da Química não foi apenas um ano de celebração mas também um ano de expressão artística científica no seu mais alto nível. Façamos votos de que os próximos anos que estão para vir sejam de bom trabalho químico aqui, em Portugal, e em todo o mundo. 

Referências:

[1] D. Ribeiro, Uma Nova Tabela Periódica no Ano Internacional da Química, Química – Bol. S.P.Q. 122 (2011) 25-26.  
[2] Periodic Table Project: http://chemistry.uwaterloo.ca/iyc/periodic-table-project (Department of Chemistry of the University of Waterloo, acedido em 12-01-2012).
[3] Periodic Table: http://www.raci.org.au/periodic-table-on-show (The Royal Australian Chemical Institute Incorporated, acedido em 12-01-2012).

Daniel Ribeiro
(danieltiago.ribeiro@gmail.com)
Licenciado em Química e Mestre em Ensino da Física e da Química



sábado, 17 de março de 2012

Ciência 2.0

Serve o presente post para divulgar um projeto de comunicação científica português: Ciência 2.0


O Ciência 2.0 é um projeto de divulgação de ciência efetuado em mais do que uma plataforma. Encontra-se a ser desenvolvido na Universidade do Porto e tem como principal foco a promoção de uma maior interação entre a ciência e a sociedade, incrementando a participação com conteúdos de divulgação científica.



Uma das interessantes valências do Ciência 2.0 é a comunicação científica em diferentes plataformas e formatos. Com esse objetivo foram criadas uma série de parcerias com órgãos de divulgação de informação a nível nacional alcançando assim um público vasto e diversificado.

O Ciência 2.0 estará na 10ª Mostra de Ciência, Ensino e Inovação da Universidade do Porto, que se realiza de 22 a 25 de março, no Pavilhão Rosa Mota, com um conjunto de ações que procuram aproximar os visitantes da comunicação da ciência.

Conheça a nossa equipa e venha connosco divulgar a ciência!


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A mais velha supernova alguma vez registada


Esta imagem combina dados de quatro telescópios espaciais para criar uma visão multi-comprimento de onda de tudo o que resta da RCW 86, o mais antigo exemplo documentado de uma supernova. Astrónomos chineses testemunharam o evento em 185 d. C., documentando uma misteriosa "estrela convidada" que permaneceu no céu por oito meses.

As imagens de raio-X obtidas a partir do Chandra X-ray Observatory (da NASA) e pelo XMM-Newton Observatory (da ESA)  foram combinadas para formar as cores azul e verde na imagem. Os raios-X mostram o gás interestelar que foi aquecido a milhões de graus pela passagem da onda de choque da supernova.


Dados de infravermelho do Spitzer Space Telescope e do Wide-Field Infrared Survey Explorer, exibidos na imagem em amarelo e vermelho, revelam poeira interestelar a irradiar a uma temperatura de centenas de graus abaixo de zero, apesar de tudo mais quente que a poeira interestelar da nossa galáxia, a Via Láctea.

A RCW 86 encontra-se a aproximadamente 8000 anos-luz de distância. Esta imagem foi compilada em outubro de 2011.

Para mais informações sobre a utilidade desta descoberta, poderá consultar:

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Janet Echelman - Taking imagination seriously

Uma referência a um video muito interessante sobre a criadora do projeto que hoje se encontra junto ao Edifício Transparente, no Porto.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O paradoxo de Olbers

Antes de iniciarmos a nossa discussão sobre o paradoxo de Olbers, sugiro que reflitamos sobre o que é um paradoxo. Um paradoxo é um afirmação que é aparentemente verdadeira, porém, conduz a conclusões logicamente contraditórias. Os paradoxos foram alguns dos melhores promotores do pensamento crítico e científico. Um dos mais famosos paradoxos de Zenão de Eléia, o de Aquiles e a tartaruga, foi o promotor do pensamento matemático acerca dos limites de convergência e da noção de infinito. Os paradoxos sempre foram intrigantes e muitos filósofos naturais dedicaram a sua vida a tentar esclarecê-los.

No século XIX, um astrónomo alemão formulou um dos mais intrigantes paradoxos da astronomia. O seu nome era Heinrich Wilhelm Matthäus Olbers (1758 – 1840) e a certa altura ele perguntou-se: "Porque é que o seu é escuro?" Esta pergunta simples e objetiva foi a promotora de descobertas nunca antes imaginadas pelos físicos e pelos astrónomos. O questionamento e o raciocínio subjacente de Olbers foram de uma sagacidade extrema. Se o universo fosse infinito e tivesse existido desde sempre, então ele deveria ser tão brilhante quanto o Sol, e no entanto não é isso que acontece.

Heinrich Olbers (1758 – 1840)


Muitos pensadores no passado talvez se tenham intrigado com este paradoxo, embora nunca o tenham registado. Contrariamente, Johannes Kepler (1571 – 1630), registou a sua incompreensão sobre o porquê do céu ser escuro. No entanto, foi Olbers que formalmente enunciou o paradoxo. Uma observação tão simples promoveu uma gigantesca revolução no pensamento dos astrónomos.


Johannes Kepler (1571 – 1630) 
Uma das explicações encontradas para este paradoxo é que o universo não é infinito e, por isso, tem um número finito de estrelas pelo que não existem estrelas em qualquer direção que observemos. Uma outra explicação reside na distância a que nos encontramos das várias estrelas. A radiação proveniente do Sol demora cerca de 8 minutos a atingir a Terra enquanto que a radiação emitida pela estrela Alfa Centauro (a segunda mais próxima de nós) demora cerca de 4 anos a atingir a Terra. Mais ainda, a radiação proveniente da galáxia Andrómeda demora cerca de 2 milhões de anos a chegar até nós. À medida que olhamos mais longe, olhamos também mais atrás na escala temporal. Isso significa que a nossa perceção é que as estrelas mais longe são mais jovens do que as mais próximas. Ou seja, haverá um limite a partir do qual não existem estrelas simplesmente porque numa altura do passado ainda não haviam estrelas nenhumas no universo.

É claro que o desvio para o vermelho (redshift) também pode explicar o paradoxo de Olbers. À medida que o universo de expande, os comprimentos de onda da radiação emitida pelas estrelas são alongados, o que faz com que as estrelas mais longínquas nos pareçam muito mais frias do que na realidade são. As estrelas mais antigas que vemos no firmamento datam de há 13 mil milhões de anos. O paradoxo de Olbers ajudou os astrónomos a perceberem que o universo possui limites e que teve "data de nascimento". Realmente, mais uma vez, os paradoxos permitiram que o conhecimento científico pudesse evoluir abrindo novas perspetivas e novas abordagens para a compreensão do mundo físico.