quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A maionese

Sabe-se que água e azeite não se dão, não se misturam. Se misturarmos água e azeite, após algum tempo, a mistura separa-se em duas fases, a água em baixo e o azeite em cima. Será então possível que as moléculas de azeite e as de água estabeleçam uma ligação para formarem algo?

A maionese é feita a partir de gemas de ovo, vinagre e azeite. As gemas de ovo contêm bastante água na sua composição, cerca de 50 %, e o vinagre é constituído quase só por água. Então como podemos conseguir uma emulsão, a maionese, a partir de água e azeite? Para compreender este facto, nada melhor do que um divertido diálogo imaginário entre os intervenientes:

Vinagre - Chamo-me vinagre, nome que me vem directamente do meu pai – o vinho. Vinagre quer dizer “vinho acre” (ou vinho azedo) e, na verdade, eu mais não sou de que um vinho modificado por certos micróbios – as bactérias Acetobacter – que transformam o álcool etílico em ácido acético. Por vezes sou mal interpretado, porque quando “me chegam cá os azeites” é que se vê a minha acidez...  Mas sou um óptimo conservante; consigo impedir que os micróbios se desenvolvam nos alimentos.

Azeite  - O meu nome é azeite, e a minha mãe é a azeitona. A minha tristeza é que, para eu vir ao mundo, ela teve que ser toda espremida. Mas já se sabe que dar à luz nunca é fácil. Sou da família das gorduras (os químicos chamam-nos lípidos), tenho montes de ácido oleico e dou aos alimentos a possibilidade de ficarem mais macios e de serem cozinhados a temperaturas mais elevadas do que com a água. Por isso, ficam mais saborosos.

Vinagre - Alto lá!  Já me estás a insultar! Sim, porque eu sou mais água do que ácido; aliás sou mesmo quase só água. E também te digo que, com a água, os alimentos ficam mais saudáveis, mantêm os sabores originais e são muito melhores para as pessoas doentes. E, já agora, se há coisa que detesto é mesmo a gordura. Contigo não quero ligações, não tens nada que me atraia.

Azeite – Olha, meu caro, esse teu ódio é 100 % correspondido. Sempre que encontro água, junto-me logo às gorduras minhas amigas e fazemos uma roda onde tu não entras nem por nada.

Ovo – Que pena me faz ouvir-vos nestas zangas constantes! É que no mundo da cozinha nem há bons, nem há maus. Todos somos necessários e temos é que trabalhar em conjunto. Eu, como sabem, também tenho muita água e gordura (para além de proteínas e outras coisas que tais), vivo bem satisfeito e sou muito apreciado. Chamam-me para montes de pratos. Quem sabe se juntos não poderemos fazer uma associação deliciosa, bonita e útil? Eu tenho uma molécula – a lecitina – que penso que pode entrar em conversações convosco e tentar pacificar as vossas relações. Já tem feito bom trabalho noutras situações; é uma conciliadora nata, quase uma mensageira da paz... E tenho também umas proteínas nos ovos que fazem um trabalho semelhante e com bons resultados.

Lecitina – Ouvi falar no meu nome, chamaram-me? Ai, já estou a ver o que se passa. É mais uma vez o vinagre e o azeite a implicarem um com o outro. Isto das polaridades tem mesmo que se lhe diga; vocês são realmente imiscíveis! Mas eu sugeria-vos uma coisa. Sou assimétrica e tenho 3 braços. Não é que seja bonito, mas acaba por dar jeito nalgumas situações. E posso tentar estabelecer uma ligação com o azeite com os meus dois braços mais compridos e com o outro dava a mão à água. Outros familiares meus, os detergentes, já têm feito isto e tem resultado. Que dizem?

Azeite - À partida vou desconfiado, digo já. Sou como os gatos, desconfio sempre da água e como o vinagre é mais água que outra coisa... Não é coisa que me entusiasme, mas...

Vinagre - Cá por mim posso tentar, mas se vejo o azeite a juntar-se, gota a gota, sou eu mesmo que o atiro ao ar e, como é tão leve, vai por fora que é um mimo.

Lecitina – Bom, parece-me então que podemos experimentar. Que tal? Mas volto a lembrar, nada de grupinhos!

E foi assim criada uma associação perfeita, tão a gosto de todos nós… a MAIONESE!!!

Baseado em Guerreiro, Margarida; Mata, Paulina. A Cozinha é um Laboratório. Lisboa: Fonte da Palavra, Lda. 2ª ed. (2010).


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